Reportagem do Jornal O GLOBO

Neste artigo trataremos da recente encampação da concessão da Linha Amarela, operada pela LAMSA, pelo Poder Executivo do Rio de Janeiro. Veremos alguns conceitos, o histórico desta guerra, analisaremos as ações tomadas pelas autoridades envolvidas e, por fim, uma breve conclusão sobre a encampação.

1. Conceitos Iniciais:

Para entender o dilema do Pedágio da Linha Amarela – operado pela LAMSA, no Rio de Janeiro, primeiramente é necessário verificarmos alguns conceitos:

1) A concessão de serviço público é o acordo de vontades entre a Administração Pública e um particular pelo qual a primeira (Administração) transfere ao segundo (particular) a execução de um serviço público, para que este o exerça em seu próprio nome e por sua conta e risco, mediante a cobrança de tarifa, preço público, paga pelo usuário.


2) A encampação é causa de extinção da concessão. Chama-se, ainda, resgate que se constitui na retomada coativa do serviço, pelo poder concedente, durante o prazo da concessão, por motivo de conveniência ou interesse administrativo. A encampação, também chamada de resgate, é instituto estudado pelo Direito Administrativo. Trata-se da retomada coercitiva do serviço pelo poder concedente. Ocorre durante o prazo da concessão e por motivo de interesse público. É vedado ao concessionário oposição ao ato, contudo, tem direito à indenização dos prejuízos efetivamente causados pelo ato de império do Poder Público, cujo parâmetro de cálculo está disposto no art. 36 da Lei nº. 8.987 /95, conforme leciona Hely Lopes Meirelles [1].

2. Histórico da guerra entre Prefeitura e LAMSA:

Em segundo lugar, é necessário rever o histórico da guerra entre Prefeitura do Rio de Janeiro e a concessionária LAMSA:

1) Dezembro de 2018: Crivella tenta impedir cobrança do pedágio sentido Fundão. O prefeito tentou implementar a medida outras duas vezes – em fevereiro e maio. Em todas as ocasiões, a concessionária recorreu à Justiça e retomou o direito de cobrar o pedágio. A Prefeitura argumentava que a LAMSA cobrou até 60 vezes mais pelo serviço. Em fevereiro deste ano, a administração municipal voltou a pedir o fim da cobrança de pedágio;

2) Janeiro de 2019: Crivella nega reajustar pedágio de R$ 7,20 para R$ 7,50;

3) Fevereiro de 2019: Justiça derruba liminar que impedia cobrança de pedágio;

4) Maio de 2019: Uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) na Câmara dos Vereadores apontou lucro indevido de R$ 1,6 bilhão na concessão;

Veja notícia: http://www.camara.rj.gov.br/noticias_avisos_detalhes.php?m1=comunicacao&m2=notavisos&id_noticia=14486

O contrato previa a diminuição do valor do pedágio, segundo os vereadores, em caso de aumento de circulação de carros. A movimentação aumentou, ainda segundo eles, mas a economia não foi repassada ao usuário. A CPI sugeriu três opções ao Poder Executivo:

  • Redução da concessão de 30 para 10 anos
  • Diminuição do valor do pedágio
  • Suspensão da cobrança até o reequilíbrio financeiro

5) Outubro de 2019: Crivella disse que acabaria com a concessão da LAMSA. A concessionária afirmou não haver respaldo jurídico para a decisão. No domingo, 27 de outubro, as cabines de pedágio foram destruídas por agentes da prefeitura.

Nas primeiras horas do dia 28 de outubro, a Justiça determinou que o pedágio deveria voltar a ser cobrado. O Ministério Público realizará uma vistoria no local para calcular os danos pela retirada dos equipamentos.

6) Novembro de 2019: Crivella apresenta um Projeto de Lei Complementar à Câmara Municipal do  Rio de Janeiro (CMRJ) e, por 43 votos a favoráveis, os vereadores do Rio aprovaram, em primeira discussão,  o Projeto de Lei Complementar nº 143/2019, de autoria do Poder Executivo, que autoriza o Município do Rio de Janeiro encampar a operação e a manutenção da Linha Amarela.  

3. Análise das ações das autoridades envolvidas no litígio:

Tendo por base os conceitos e o histórico apresentado, este artigo pretende analisar, de forma técnica, as medidas tomadas por cada uma das partes envolvidas neste litígio: Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário e a LAMSA.

Por fim, analisar se a ENCAMPAÇÃO da Prefeitura é cabível e executada de forma razoável.

A) Atitude da LAMSA:

A LAMSA em seu twitter alegou o seguinte:

O fato é que há FORTES indícios de que a concessionária faturou muito mais do que devia. Os relatórios apresentados pela CPI da CMRJ e da Prefeitura do Rio de Janeiro indicam lucros de EXTRAS de 1,6 BILHÕES de reais, conforme já citado.

Assim, parece não haver razão para os argumentos pela LAMSA e, conforme prevê o Art. 37 da Lei 8987/1995, há relevante interesse público envolvido, justificando por este prisma a encampação do serviço concedido.

Art. 37. Considera-se encampação a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo anterior.

B) Atitude da Prefeitura do Rio de Janeiro:

Com base no que prevê o Art. 35, item II e parágrafos, tendo em vista as ilicitudes praticas pela LAMSA, o Poder Executivo poderá tomar as medidas necessárias para encampar o serviço, conforme vemos:

Art. 35. Extingue-se a concessão por: II – encampação;

        § 1o Extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato.

        § 2o Extinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários.

        § 3o A assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis.

Além disso, a o ato do Prefeito em apresentar o PLC à Casa Legislativa traduz-se em prática acertada, já que é o que prevê a legislação em seu art. 37:

Art. 37. Considera-se encampação a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo anterior.

Além disso, em suas justificativas, apresentadas na Mensagem de nº 42, o Prefeito conclui acertadamente sobre a prática abusiva da empresa concessionária:

“Excelentíssimas Senhoras Vereadoras e Excelentíssimos Senhores Vereadores, consoante ao exposto, o que se dessume da exploração indevida da atividade econômica levada a efeito pela Concessionária, conforme as constatações do corpo técnico da Prefeitura, do Tribunal de Contas Município e as advindas das investigações conduzidas por essa Casa de Leis, é a existência de bilionário prejuízo ao erário público e à economia popular, pela imposição de tarifa de R$ 15,00 (quinze reais), quando ela deveria ser de R$ 2,06 (dois reais e seis centavos), dês 2018, além da prática de uma TIR quase três vezes superior à contratada e o sobrepreço praticado nas obras a seu cargo.

Diante desse quadro tão desleal e pernicioso, outra medida não se avista que não seja a retomada da operação da via pelo Poder Público, para que cesse, o quanto antes, o demonstrado achaque aos cofres públicos e à população.”

http://noticias.prefeitura.rio/transportes/camara-aprova-em-primeira-discussao-encampacao-da-linha-amarela-pela-prefeitura/

Mas o Prefeito pode destruir as cabines da LAMSA?

A questão controversa a ser enfrentada é se a ação de destruir as cabines foi proporcional e adequada com a medida de encampação.

Pois bem, na opinião deste autor, este debate não acrescentará nenhuma conclusão relevante. O que deve ser debatido é se o ato de destruição das cabines pela Prefeitura do Rio de Janeiro gerará o direito da LAMSA em ser indenizada, já que o próprio Art. 37 exige a indenização PRÉVIA, se for o caso.

Com os fatos que temos até o momento, já é possível concluir o seguinte:

Conforme argumentado pela Prefeitura e apurado pela CPI na CMRJ, na verdade, ainda que a Prefeitura tenha que indenizar a eventual destruição dos bens da LAMSA, ainda assim, parece que esta concessionária ainda possuirá uma DÍVIDA de milhões de reais para com a Prefeitura do Rio de Janeiro. Desta forma, parece que o ressarcimento de eventual quantia à LAMSA será absorvida pelo valor que a própria LAMSA deve à Prefeitura do Rio.  

Deixo claro que as medidas intervencionistas por parte do Estado devem ser proporcionais, ainda que os atos Estatais possuam como atributo a autoexecutoriedade, isso não deve justificar ações arbitrárias, desproporcionais ou ilegais.

C) Atitude do Poder Judiciário:

Conforme vimos, a decisão do poder Judiciário proferida em caráter liminar pela juíza da 6ª Vara de Fazenda Pública Regina Lucia de Castro Lima, na opinião deste Autor, ainda que levando em consideração o princípio do livre convencimento, parece não possuir argumentos suficientes para se sustentar.

No despacho, a juíza diz que a prefeitura não pode encampar o serviço concedido “sem prévio processo administrativo específico sobre a proposta de encampação, assegurado o direito da concessionária à ampla defesa; e sem prévio pagamento da indenização.” Além disso, diz a juíza, a indenização “não poderá ser simplesmente compensada com os supostos débitos discutidos nos autos dos processos, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, a ser suportada pelo Município do Rio de Janeiro, na pessoa do prefeito”.

Em breve análise a douta Juíza menciona:

1) “sem prévio processo administrativo” – No entanto, é importante saber que a Prefeitura retomou a concessão, tendo em vista o parecer da Controladoria e da Procuradoria, depois de muitos meses e também de ter aberto prazo para que a LAMSA os contestasse, o que ela não fez. 

2) “não poderá ser simplesmente compensada com os SUPOSTOS débitos” – deixo a palavra “SUPOSTOS” destacada para relembrar as leitores de que estes SUPOSTOS débitos foram apurados pelos seguintes órgãos:

– Poder Executivo;

– Controladoria do Município;

– Tribunal de Contas do Município; e

– Poder Legislativo, em CPI.

Realmente, devo admitir que me causa muita estranheza um decisão com esta falta de cuidado.

D) Atitude do Poder Legislativo:

Seguindo os ditamos da lei, a Câmara Municipal dos Vereadores acertadamente analisou o PLC apresentado pelo Executivo, sendo a matéria apreciada pelos parlamentares nesta sexta-feira (1 de novembro) durante sessão extraordinária realizada no Plenário da Casa. Após a votação, o presidente da Câmara do Rio, vereador Jorge Felippe (MDB), convocou nova sessão extraordinária para terça-feira (5) para análise em segunda e última discussão. Antes disso, na segunda-feira (4), haverá reunião das Comissões Permanentes para apresentação de emendas.

Na mensagem enviada ao Legislativo, o Executivo justifica a encampação alegando “a exploração indevida da atividade econômica levada a efeito pela concessionária, conforme as constatações do corpo técnico da Prefeitura, do Tribunal de Contas Município e as advindas das investigações conduzidas por essa Casa de Leis”. O Executivo aponta ainda a ” existência de prejuízo ao erário público e à economia popular, pela imposição de tarifa de R$ 15, 00 (quinze reais), quando ela deveria ser de R$ 2, 06 (dois reais e seis centavos),  desde 2018.

Para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, a Prefeitura propõe, entre outras ações, o pagamento do valor de R$ 1.648.144.296 ao Município e permanência das tarifas e do prazo contratual vigentes; redução tarifária de 72, 5%, ou seja, para manter a concessão da Linha Amarela obtendo uma taxa interna de retorno de 10, 90%. A tarifa proposta é de R$ 2, 06 ao invés dos R$ 7, 20 (2018); ou supressão da cobrança do pedágio em uma das vias, por 4.328 dias, ou seja, 11 anos 10 meses e 13 dias.

4. CONCLUSÃO:

Assim, é possível concluir que a encampação da concessão pelo Poder Executivo do Rio de Janeiro foi medida tomada acertadamente, tendo em vista os atos ilícitos cometidos pela operadora LAMSA, a qual enriqueceu ilicitamente e descumpriu os termos da concessão. Ainda que o Poder Judiciário tenha restabelecido de forma liminar a cobrança do Pedágio pela LAMSA, devemos relembrar de controvertida ferramenta já amplamente debatida pelos tribunais superiores que é a possibilidade do chefe do Poder Executivo negar aplicação à lei ou ato normativo considerado inconstitucional.

o Supremo Tribunal Federal admitiu o exercício dessa prerrogativa pelo chefe do Poder Executivo em julgado posterior à promulgação da Constituição de 1988. Segundo a corte, os Poderes Executivo e Legislativo, por sua Chefia, podem tão-só determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais[2]. Também o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no mesmo sentido afirmando que a negativa de ato normativo pelo Chefe do Executivo reflete um poder-dever[3].

Parcela da doutrina endossa tal posicionamento: Elival da Silva Ramos[4], Hely Lopes Meirelles[5], Luís Roberto Barroso[6] e J.J. Gomes Canotilho[7]. Gustavo Binenbojm, em obra que teve origem na sua dissertação de Mestrado[8] afirma que o Poder Executivo não está autorizado e, muito menos, obrigado a “lavar as mãos” diante de um ato normativo que se lhe afigure inconstitucional, compactuando com a violação da Lei Maior.

Assim, ainda que não adentremos no mérito de discutir se a decisão da Juíza esta em conformidade com toda a doutrina e jurisprudência acima mencionada, parece que os argumentos da liminar não devem se sustentar.

POR FIM, Ainda que venhamos a discutir se a medida foi proporcional ou não, há provas suficientes que me permitem concluir que as ações tomadas pela Prefeitura estão em em MAIOR conformidade com nosso ordenamento jurídico DO QUE as ações da LAMSA e a própria decisão do Poder Judiciário, já que o Poder Executivo:

  • deu oportunidade a LAMSA se manifestar, anterior ao ato de encampação, o que ela não fez;
  • encampou o serviço seguindo as determinações da lei 8987/95 (com exceção da indenização prévia, a qual não seria cabível e virtude do enriquecimento ilícito da própria LAMSA;
  • apresentou ao Poder Legislativo Projeto de Lei Complementar para a encampação do serviço; e
  • apurou corretamente, com auxílio de diversos órgãos oficiais, seus prejuízos, demonstrando a ilegalidade do prosseguimento da concessão.

[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro . 33ª ed. São Paulo: Malheiros. 2007. p.400).

[2] STF, ADI MC 221/DF, j. 29.03.90, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves.

[3] STJ – REsp: 23121 GO 1992/0013460-2, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data de Julgamento: 06/10/1993,  T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 08.11.1993, vol. 55 p. 152

[4] RAMOS, Elival da Silva. A Inconstitucionalidade das Leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 237.

[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 538.

[6] BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 70-71.

[7] CANOTILHO. J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 417-418.

[8] BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira – Legitimidade democrática e instrumentos de realização. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 276.

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