RESUMO:
AUTONOMIA DA VONTADE: Os agentes/particulares têm a possibilidade de praticar um ato jurídico, determinando-lhe o conteúdo, a forma e os efeitos.
AUTONOMIA PRIVADA: Os agentes/particulares têm a possibilidade de praticar um ato jurídico determinando-lhe o conteúdo, a forma e os efeitos, nos limites legais impostos pelo ordenamento jurídico e princípios constitucionais.
As expressões autonomia da vontade e autonomia privada não são sinônimas, ao contrário, cada uma possui um significado diferente. A distinção entre autonomia privada e autonomia da vontade é de grande relevância e implica em consequências práticas importantes, pois modifica a própria noção de negócio jurídico.
Roxana Borges defende que é necessária atentar para a transição da autonomia privada para a autonomia da vontade, sendo que a segunda se “vincula diretamente aos valores constitucionais, devendo estar orientada, assim, à valorização da pessoa humana”.
Autonomia da vontade é um princípio que tem suas bases na sociedade liberal dos séculos XVIII e XIX. Marcada por uma ideologia individualista, onde o homem era o centro do direito, sendo a sua vontade livre e respeitada pelo Estado.
A ideologia desse momento histórico era a da intervenção mínima do Estado na esfera do particular. O homem tinha plena liberdade para realizar negócios jurídicos, sendo livre para fixar o conteúdo desses negócios e escolher com quem contratar, ou seja, o homem tinha plena liberdade contratual.
Eurico Pina Cabral, afirma que: a autonomia da vontade é “fenômeno interior e psicológico gerador da ação finalística contida no âmbito da autonomia privada, capaz produzir efeitos jurídicos particulares nos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico”. Para ele, a autonomia privada é “de concepção objetiva, tida como um poder do particular de auto-regular-se nos limites do ordenamento jurídico”.
Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald também diferenciam autonomia da vontade e autonomia privada informando que há uma enorme distância entre uma e outra. Para os referidos autores:
A autonomia da vontade é centrada em três princípios: a) liberdade contratual, como livre estipulação do conteúdo do contrato, sendo suficiente à sua perfectibilidade a inexistência dos vícios subjetivos do consentimento; b) intangibilidade do pactuado – o ‘pacta sunt servanda’ exprime a ideia de obrigatoriedade dos efeitos contratuais pelo fato de o contrato ser justo pela mera razão de emanar do consenso entre pessoas livres; c) relatividade contratual, pactuada pela noção de vinculatividade do pacto, restrita às partes, sem afetar terceiros, cuja vontade e um elemento estranho à formação do negócio jurídico.
A respeito do assunto, escreve, também, Antônio Amaral ao conceituar autonomia da vontade e autonomia privada diferindo uma da outra. Para o mencionado autor a autonomia da vontade “é o princípio pelo qual o agente tem a possibilidade de praticar um ato jurídico, determinando-lhe o conteúdo, a forma e os efeitos”. Já a autonomia privada é o “poder que o particular tem de criar, nos limites legais, normas jurídicas”.
A autonomia da vontade vai sendo maldada e relativizada a medida que a sociedade vai evoluindo, principalmente após a I Guerra Mundial, quando o Estado assume uma posição mais intervencionista, passando a regular com mais rigor as relações privadas.
É diante desse cenário que surge o Dirigismo contratual que foi caracterizado pela crescente intervenção estatal onde as relações privadas começam a se pautar, cada vez mais, no interesse da coletividade em detrimento do interesse particular. A autonomia, certamente, sofre limitações, entretanto, não desaparece.
Para César Fiuza a contratualidade teria evoluído da autonomia da vontade para a autonomia privada, tendo em vista que o contrato deixou de ser o acordo livre de vontade entre as partes, sendo possível contratar qualquer coisa que seja do desejo e da necessidade humana, para representar um valor de utilidade social, passando a ser a combinação de três elementos: ordem; justiça e; liberdade.
A liberdade corresponde ao princípio da autonomia privada. A ordem o princípio da boa-fé. A justiça o princípio da justiça contratual. À dignidade do homem, correspondem, todos eles e os princípios da dignidade humana e da função social do contrato.
Nesse diapasão, nota-se que a autonomia da vontade cedeu lugar à autonomia privada, deixando de ser a vontade suprema das partes, isoladamente considerada para ser a vontade do indivíduo, condicionada aos dispositivos legais vigentes.
Cumpre salientar que no Brasil a autonomia da vontade estava no código Civil de 1916 e em todas as Constituições anteriores à Carta Magna de 1988, enquanto que a autonomia privada está presente no Código Civil de 2002 e na Constituição de 1988.
A autonomia, hoje, não é mais um fim em si, essa era a autonomia da vontade. A autonomia privada é um instrumento que tem como finalidade a promoção de interesses que sejam úteis para a sociedade em geral, consolidando os fundamentos estabelecidos no preâmbulo da Constituição.
Diante do exposto, resta claro que a autonomia da vontade e autonomia privada são lados opostos da mesma moeda, tendo em vista que a primeira é a vontade humana elevada à condição de base do liberalismo e a segunda representa a vontade humana adapta às necessidades e expectativas da sociedade em geral.
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada. 2ª Edição. São Paulo/SP: Editora Saraiva, 2007, p. 51.
CABRAL, Eurico de Pina. A “Autonomia” no Direito Privado. Revista de Direito Privado. a.5, n. 19, jul./set., 2004, p. 87.
FARIAS, Cristiano Chaves de. E ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Contratos. Volume IV. Salvador/BA: Editora JusPodivm, 2012, p. 142.
FIUZA, César., SÁ, Maria de Fátima Freide de. E NAVES, Bruno Torquato de Olivera. Direito Civil. Da Autonomia Privada nas Situações Jurídicas Patrimoniais e Existenciais. Belo Horizonte/MG: Editora DelRey. 2007, p. 57.